Aplicação de Fitofarmacêuticos - carta aberta aos cidadãos
22-MAR-2019
Os herbicidas, quando correctamente utilizados, são muito úteis à humanidade e contribuem fortemente para o combate à fome no Mundo.
A preocupação pela saúde pública é desejável e louvável mas, proibir o herbicida glifosato, em atitude preventiva, sem provas credíveis sobre os seus malefícios, sem considerar o enorme benefício que ele presta à humanidade, não parece razoável.
A utilização dos herbicidas tem possibilitado matar a fome a muitos milhões de pessoas e melhorar o nível de vida em todo o planeta, possibilitando assim o maior combate à fome no mundo na história da humanidade, devido ao enorme aumento conseguido nas produções agrícolas com a sua utilização. O grande crescimento da produção de cereais em todo o mundo, está mais dependente da utilização dos herbicidas do que do melhoramento genético das várias espécies.
Se o motivo da referida proibição é a saúde pública, não parece lógico proibir um produto que presta tão grandes benefícios à humanidade e pouco se fazer com outros, comprovadamente prejudiciais à saúde, como por exemplo o tabaco e a pretendida legalização da “droga marijuana”.
Sobre o tabaco há provas seguras há décadas, o qual mata por ano 3.500 pessoas, só em Portugal e causa um prejuízo de 500 milhões de euros por ano ao Serviço Nacional de Saúde. (Confirmação do Sr. Ministro da Saúde, na RTP 1, em 7/9/2016, às 13,25h, no telejornal). E o tabaco não tem a mínima utilidade social.
São quase 10 pessoas mortas, por dia! Como se pode dar tanta ênfase ao combate aos herbicidas secundarizando a luta contra o tabaco?
O
que pode pensar a pessoa que aplica o herbicida, quando vê o Estado
através dos seus órgãos
de poder, empenhar meios tão significativos para prevenir um “mal”
cuja evidência não está seguramente comprovada e paralelamente
nada faz para proteger as crianças, os idosos e outros dependentes
fragilizados que coabitam com fumadores e que há décadas
são, vitimas identificadas do tabaco, mas desprotegidas pelo estado?
Eu, Manuel Torres, sou um ex-fumador, fumei durante mais de 30 anos e
todos sabemos como o fumador mais cuidadoso prejudica os que com ele
habitam, porque o vicio nem sempre se compagina com a opinião dos
outros…
Considerar os herbicidas em pé de igualdade com o tabaco, quanto à sua perigosidade, seria comparar o incomparável, mas ainda dar-lhe prioridade quanto à prevenção pública, parece uma aberração. Isto acontece no século XXI, num país evoluído e faz lembrar a história do homem do povo que, do meio da multidão grita, “olhem que o Rei vai nu.”
A Rualimpa, Lda, tem um trabalhador com 76 anos de idade, cujo nome e morada está autorizada a facultar, o qual ao ser chamado à atenção por não ter usado, num dado momento, todos os equipamentos legalmente recomendados, na aplicação do herbicida, teve com a gerência um comentário aproximadamente nos termos seguintes:
«Eu trabalho para o Sr. Torres há quase 50 anos, primeiro na agricultura onde aprendi a aplicar os herbicidas e há cerca de 23 anos na Rualimpa L.da, e nunca notei nada de mal que pudesse atribuir aos herbicidas. Eu sou fumador e sinto o mal que o tabaco me faz, do herbicida não sinto nada. Esses senhores que estudaram, que mandam e fazem leis, que me obrigam a andar a trabalhar, metido num fato de plástico, ao sol no verão, onde é impossível aguentar o calor, com máscara, com luvas e botas de borracha, igualmente insuportáveis, a ouvir insultos, ameaças de agressão e todo o tipo de humilhações e ninguém nos ajudam! O nosso trabalho há cerca de um ano a esta parte, devido a esta guerra dos herbicidas, tornou-se um inferno! Porque não proíbem antes o tabaco? Eu gostava tanto de um dia, chegar ao café para comprar cigarros e me dissessem: "olhe, não temos, o tabaco está proibido," e eu assim deixava de fumar.»
Tem sido divulgada muita informação errada sobre os herbicidas, a qual tem amedrontado as populações. A prova mais evidente, desse medo infundado, é o facto de qualquer pessoa se afastar rapidamente, para longe, quando uma viatura passa na rua a aplicar o herbicida. Por outro lado, essas mesmas pessoas, param a conversar com um fumador, ou até partilham um espaço onde se fuma!... Conclusão:
Conhecemos os enormíssimos malefícios do tabaco mas, convivemos de modo natural com eles!...
Não temos provas credíveis em nenhuma parte do Mundo que confirmem os malefícios do herbicida Glifosato e reagimos assustadamente aquando da sua aplicação.
Porque será que tudo isto acontece!?
O glifosato e a “guerra do glifosato”
A Plataforma Transgénicos Fora (PTF) apresenta um estudo de quantificação de glifosato na urina de voluntários, realizado em 2018. Os valores médios detetados nas amostras foram de 0,35 ng/ml em julho e de 0,31 ng/ml em outubro. Os métodos de quantificação foram diferentes para cada data. Não se sabe como foi estruturada a amostra. Não se sabe como foram feitas as colheitas. Não foram referidas quaisquer contra-análises. É mais uma batalha na “guerra do glifosato”.
O glifosato é um herbicida sistémico de amplo espectro. É um composto organofosforado, que atua como inibidor da enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase. Esta enzima não existe nos animais, mas existe nas bactérias. Nas bactérias a forma da enzima não é inibida pelo glifosato.
O glifosato é usado para matar ervas daninhas, especialmente as anuais de folhas largas e gramíneas que competem com as colheitas.
Foi pela primeira vez colocado no mercado para uso agrícola em 1974 sob o nome comercial de Roundup®. A última patente comercialmente relevante relativa ao glifosato expirou em 2000. Desde então é produzido e comercializado livremente.
O glifosato é um dos herbicidas menos tóxicos atualmente utilizados, de acordo com o nível de efeito crónico não observado (NOEL). É também um dos herbicidas com menor Quociente de Impacto Ambiental (EIQ). É por isso que é utilizado para controlo de ervas daninhas nos passeios das povoações.
O GLIFOSATO TORNOU-SE UM ALVO PRIORITÁRIO DO MOVIMENTO AMBIENTALISTA
O glifosato tornou-se um alvo prioritário do movimento ambientalista, após a introdução no mercado de variedades geneticamente modificadas (VGM) de milho, soja e algodão resistentes ao glifosato, por introdução de um gene bacteriano que codifica uma enzima que não é inibida por este herbicida. Esta modificação permite aos agricultores utilizar o herbicida após a germinação da colheita, de forma a aumentar o nível de controlo das ervas daninhas.
É difícil questionar as variedades geneticamente modificadas, pois o uso destas variedades permitiu, entre 1996 e 2015 reduzir a utilização do glifosato em 264,7 toneladas (em 157 milhões de hectares), com uma redução do impacto em EIQs de 1846,4 por hectare (1). Para além destes factos, as VGMs mais modernas são resistentes a dois ou mais herbicidas, permitindo uma rotação do herbicida utilizado e reduzir assim o uso continuado do mesmo herbicida.
O movimento ambientalista decidiu então encetar “a guerra do glifosato”. Esta guerra tinha uma dupla finalidade: condicionar a globalização de empresas multinacionais (mas porquê se o glifosato é atualmente de livre produção e comercialização?) e continuar a oposição, entretanto esgotada, contra as VGM, alegando que os herbicidas para os quais as variedades são resistentes são carcinogéneos.
É este o momento em que nos encontramos. Para além da recente e polémica categorização do glifosato no grupo 2A (possivelmente carcinogéneos), junto com a carne vermelha e com a frequência de cabeleireiros e barbeiros, pela Agência Internacional para Pesquisa do Cancro (IARC) (2), nenhuma entidade internacional de referência considera o glifosato uma substância que apresente risco de produção de carcinomas, utilizada ou presente nas concentrações e quantidades aprovadas.
De facto, uma análise em 57.311 aplicadores de pesticidas licenciados nos estados do Iowa e Carolina do Norte (3) mostrou que não existia qualquer associação entre a exposição ao glifosato e a maioria dos cancros. Tendo este estudo apresentado dúvidas sobre um possível risco de incidência sobre o mieloma múltiplo, um segundo estudo não encontrou tendências significativas de risco de mieloma múltiplo com dias cumulativos de uso de glifosato e com estimativas pontuais de risco para uso constante de glifosato (4).
Recentemente a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA) (5) reviu os níveis máximos de resíduo para o glifosato em diferentes produtos alimentares. Os níveis que não devem ser ultrapassados e são considerados não arriscados pela EFSA são de 0,05 mg (50.000 ng) de glifosato por Kg de produto alimentar. Na Europa a concentração máxima aceitável de glifosato na água potável é de 0,1ng/ml.
Observado todo o cenário, só se pode chegar a uma conclusão razoável: os valores obtidos na urina pelas análises da PTF, na ordem das décimas de nanograma por ml, a serem verdadeiros e corresponderem a uma amostragem fiável, não contaminada à posteriori, e cujas análises são certificadas, não parecem apresentar qualquer risco. Repare-se que a urina é normalmente concentrada 3 a 5 vezes em relação ao plasma sanguíneo.
Uma segunda conclusão possível deste estudo e da forma como é apresentado é a de que a PTF pretende assustar a população em geral e tentar valer a sua tese de que o glifosato deve ser proibido. A alternativa da PTF, com o comentário de que as pessoas que comem produtos “biológicos” apresentam uma concentração menor de glifosato na urina, é de que se deve abandonar todas as outras formas de agricultura.
NÃO CREIO QUE TENHAM RAZÃO
Não creio que tenham razão. De facto o ideal seria não ter que se utilizar qualquer aditivo para produzir alimentos em quantidade e qualidade adequadas ao consumo e às necessidades humanas.
Infelizmente qualquer quantificação que se faça mostra que a não utilização de produtos para proteger as culturas resultaria na incapacidade de alimentar mais do que cerca de metade da população mundial atual. Por outro lado, a não aplicação de herbicidas nas culturas implicava ou uma redução brutal das produções, ou a utilização de meios humanos para retirar as ervas daninhas.
Será que existirão ainda pessoas dispostas a mondar manualmente os arrozais? Por outro lado para se pedir a proibição do glifosato tem que se proibir, a bem da coerência de propósitos, o consumo de carne vermelha e a utilização dos cabeleireiros, já que ambos têm a mesma classificação de potenciais carcinogéneos atribuída pela IARC.
Claro que do ponto de vista da “guerra do glifosato” a apresentação destas análises faz sentido. É, segundo os seus autores, mais uma “acha para a fogueira”. Esperemos que o cidadão português possa ter discernimento, num mar de ameaças e de intimidações, para não seguir cegamente as posições de arautos de desgraças seletivas.
Ao invés, creio ser necessário continuar a considerar credíveis as melhores opiniões das instituições internacionais de referência, apesar da necessidade do seu constante escrutínio.
Pedro Fevereiro, Biólogo, Professor do Departamento de Biologia Vegetal da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Presidente do Centro de Informação de Biotecnologia
Notas:
1 - GM crops: global socio-economic and environmental impacts 1996-2015
Graham Brookes & Peter Barfoot PG Economics Ltd, UK Dorchester, UK
2 - "List of Classifications, Volumes 1-115" (http://monographs.iarc.fr/ENG/Classification/latest_classif.php). IARC
Monographs on the Evaluation of Risk to Humans. IARC. February 22, 2016. Retrieved March 5, 2016.
3 - Alavanja MC, Sandler DP, McMaster SB, Zahm SH, McDonnell CJ, Lynch CF, Pennybacker M, Rothman N, Dosemeci M, Bond AE, Blair A, 1996 The Agricultural Health Study. Environ Health Perspect. 104(4):362-9.
4 - Tom Sorahan (2015) Multiple Myeloma and Glyphosate Use: A Re-Analysis of US Agricultural Health Study (AHS) Data, Int J Environ Res Public Health. 12(2): 1548–1559.
5 - EFSA (European Food Safety Authority), 2018. Reasoned Opinion on the review of the existing maximum residue levels for glyphosate according to Article 12 of Regulation (EC) No 396/2005. EFSA Journal 2018;16(5):5263, 230 pp